Os direitos dos investidores em startups: a prática norte-americana e o cenário brasileiro em evolução
Maio/2025
A proteção dos investidores em startups é um tema central nas discussões sobre venture capital. Mas como essa proteção se estrutura na prática?
Os modelos norte-americano e brasileiro adotam lógicas distintas — ainda que cada vez mais convergentes — e oferecem lições importantes sobre o amadurecimento dos mercados de inovação. O objetivo deste breve material é comparar as práticas de venture capital adotadas nos Estados Unidos e no Brasil, passando por direitos tipicamente concedidos em diferentes tipos de rodada, perfis de investidor e níveis de maturação das startups.
A proposta é oferecer uma comparação, ainda que rápida, entre os direitos de investidores nas práticas americana e brasileira.
O modelo americano: documentos mais simples e foco no futuro
Nos Estados Unidos, a cultura de investimento em startups é notoriamente influenciada pelo Vale do Silício. O principal instrumento jurídico utilizado nas rodadas iniciais tem sido o SAFE (Simple Agreement for Future Equity), criado pelo Y Combinator em 2013.
Esse modelo reflete uma lógica pragmática: hoje, o investidor aporta capital para ter direito a participação futura no capital da investida. Tipicamente, o investidor também tem direito a participar de eventos de liquidez, como exits, alienação de controle, venda da companhia ou IPO.
No modelo do SAFE (e outros documentos tipicamente utilizados naquela jurisdição), os direitos concedidos são quase exclusivamente de natureza econômica. Na prática, o investidor não detém poder de voto, não participa da administração e raramente possui veto em relação a matérias chave. Ele aposta na valorização futura da empresa e estrutura sua proteção essencialmente por meio de cláusulas como: Direito de preferência na liquidação (liquidation preference); Direito de venda conjunta (tag along ou co-sale); Conversão automática ou com desconto em eventos futuros.
Essa abordagem simples favorece a agilidade nas rodadas iniciais e reduz conflitos entre fundadores e investidores nos estágios embrionários da startup, além de manter custos de negociação e implementação jurídica das operações bem baixos. É uma fórmula que prioriza velocidade, com contratos curtos e eficientes. Por vezes, porém, SAFEs podem ser acompanhados de side letters, regulando certos direitos (de informação, políticos e/ou econômicos) que eventualmente sejam considerados essenciais para certo investidor, fundo ou grupo de investidores.
Apesar do Y Combinator oferecer, em seu site, um modelo “básico” de side letter (que também vem sendo amplamente adotado pelo mercado), não é incomum observarmos diferentes modelos de side letters concedendo direitos diversos, a depender do perfil de investidor e grau de maturação de startup.
Esses direitos podem compreender desde questões mais simples (como uma put para conceder aos investidores saída do capital, em certos cenários e a valor simbólico; ou direito a informações), como temas mais complexos, como drag along ou direito a indicação de membros para o board destas empresas.
O contexto brasileiro: arcabouço regulatório mais complexo (e em evolução)
No Brasil, o cenário ainda é bem diferente da prática americana. Apesar da indústria daqui estar constantemente se desenvolvendo para pensar e criar soluções que se aproximem da prática de lá, o grau de desenvolvimento do mercado de venture capital, a sofisticação do mercado e o próprio arcabouço regulatório acabam sendo muito diversos, o que acaba tendo reflexos nos instrumentos contratuais tipicamente utilizados.
Isso se deve, dentre outros, ao fato de que o mercado brasileiro de venture capital acabou bebendo muito da fonte de operações mais tradicionais de private equity, o que acaba gerando efeitos tanto nas preocupações dos investidores locais, como, por consequência, nos instrumentos contratuais utilizados. É comum que investidores — especialmente fundos — estabeleçam contratualmente certos direitos políticos, mesmo em rodadas mais early stage. Isso pode incluir, por exemplo: Assentos em conselhos ou comitês consultivos;
Poder de veto sobre matérias estratégicas (veto rights); Acordos de voto e cláusulas de lock-up, non compete e non solicit; Participação em outros temas de governança corporativa, como quóruns qualificados, assentos em conselho fiscal e/ou outros órgãos. Além disso, há também os direitos econômicos (como voto afirmativo na distribuição de resultados, antidiluição, tag along) e os direitos de informação, muitas vezes tidos como instrumentos de transparência, e que por vezes podem ser tratados contratualmente como formas de controle preventivo.
Essa configuração mais densa tem razões históricas, pois as normas que regem os fundos de investimento em participações (FIPs) no Brasil são mais rígidas, o que leva gestores a exigirem mecanismos de proteção mais estruturados e robustos — inclusive em rodadas early stage.
Rodadas iniciais brasileiras: cuidados para evitar afastar investidores
No Brasil, um dos pontos de atenção mais relevantes é a concessão excessiva de direitos em rodadas de captação early stage.
Apesar de ser compreensível que fundos exijam – até mesmo por questões regulatórias – certos direitos que lhes garantam conhecer e contribuir para o sucesso de empresas em crescimento, é importante destacar que direitos e deveres têm custos e contrapartidas: um assento em um board pode ser essencial para um futuro investidor, e conceder tais direitos cedo demais pode acabar atrapalhando (ou mesmo impedindo) futuras rodadas de captação.
Nesse sentido, é necessário que empreendedores e assessores jurídicos conheçam a prática internacional (destino de muitas empresas) e local (início de tantas outras) para saber o momento ideal de negociar cada um destes direitos. Não é incomum que investidores anjo ou fundos exijam direitos políticos ou cláusulas típicas de rodadas mais avançadas (Series B ou C), e, a depender do caso, isso se torne um impeditivo para futuras rodadas de captação.
Embora estas exigências sejam compreensíveis sob a ótica da segurança do investimento (especialmente diante do recente momento de mercado, pós boom de 2021, essa prática pode engessar a estrutura da startup e comprometer sua capacidade de realizar rodadas futuras.
Nosso sócio Leonardo Ugatti pontua que “Não se trata de dizer que é certo ou errado conceder tais direitos, mas é preciso calibrar conforme o momento e o perfil dos envolvidos. Se você entrega poder de veto a um investidor anjo, talvez tenha dificuldade em atrair um fundo na próxima rodada”.
Por isso, uma abordagem mais eficiente — e madura — é adaptar a estrutura de governança de forma progressiva, conforme a startup evolui. No início, os instrumentos devem ser simples, focados no alinhamento econômico e no incentivo ao crescimento. Em fases posteriores, conforme aumentam os riscos e os valores investidos, ganham relevância os mecanismos de controle e de participação mais ativa.