Obrigações dos Fundadores em Startups

junho/2025

No início da construção de uma startup não é incomum notarmos uma simbiose quase total entre a figura do fundador e o negócio. É essa pessoa — ou esse pequeno grupo — que inicialmente é responsável por implementar a visão estratégica, execução, decisões e representação da empresa perante o mercado e os investidores.  Com o amadurecimento da empresa, porém, é natural notarmos uma transformação desse papel.

Entender essa dinâmica é essencial tanto para empreendedores quanto para investidores. Este artigo, o quarto da série sobre Venture Capital, busca explorar as principais obrigações e atribuições de fundadores ao longo da vida de uma startup. Buscaremos aqui destacar não apenas deveres formais, como dedicação, transparência e alinhamento com os investidores, mas o papel estrutural que os fundadores exercem no desenvolvimento organizacional da empresa.  

À medida que a startup avança em maturidade, espera-se dos fundadores uma transição gradual: de protagonistas operacionais a agentes de institucionalização, capazes de implementar mecanismos de governança, atrair lideranças ou pessoas-chave e preparar o negócio para rodadas futuras de investimento (por vezes inclusive liderando o processo de captação), eventuais aquisições ou até o IPO.   

O papel do founder varia conforme a maturidade da startup
Falar em obrigações ou atribuições dos founders demanda compreender o momento da empresa: nos estágios iniciais, a identificação entre pessoa e empresa é profunda, sendo que em fases de desenvolvimento e maturação mais avançados, espera-se maior institucionalização e independência, com maior especialização do founder, que deixa de ser generalista, e passa a ocupar cargos cada vez mais focados em certas atividades, como financeiro, operacional etc.

Geralmente é neste momento que startups começam a constituir conselhos, diretorias com profissionais de mercado e controles internos mais robustos e profissionais. Mesmo quando a startup amadurece e os fundadores começam a se afastam das atividades mais corriqueiras do dia a dia, espera-se que eles atuem como guardiões da cultura e da visão de longo prazo da empresa.

Esse papel, muitas vezes menos visível, é estratégico para manter a identidade da empresa mesmo após rodadas sucessivas de investimento e crescimento do time. 

Dedicação: do envolvimento total à profissionalização da gestão
Um dos pontos mais relevantes na atuação do founder é sua dedicação ao negócio. Nos primeiros ciclos (normalmente até que a empresa realize uma captação em patamar suficiente para bancar um salário ou remuneração fixa razoável), não é incomum que ele divida o tempo com outras atividades, por necessidade financeira.

Mas, à medida que investidores aportam recursos, há uma necessidade de que os founders passem a atuar em regime de exclusividade na startup, ainda que com uma remuneração abaixo daquilo que tipicamente ele poderia receber em uma função semelhante no mercado. Esta transição, porém, deve ser feita de forma atenta e ponderada, sendo recomendável:

  • Conflitos de interesse: fundadores não devem atuar em negócios concorrentes ou que possam, de alguma maneira, canibalizar a startup ou desviar negócios dela;

  • Controle de agendas externas: a participações em eventos, mentorias ou como professores são válidas, mas devem ser limitadas ou feitas de forma cuidadosa, de forma que o founder tenha tempo suficiente para dedicar-se ao crescimento da empresa; 

  • Presença ativa: reuniões, decisões estratégicas e acompanhamento de métricas fazem parte do core de atividades de um founder ativo. Nas fases iniciais, startups podem estar sujeitas a muitas variações em seu faturamento, crescimento e atração de novos clientes, pelo que uma atenção redobrada dos founders acaba tornando-se essencial.  

Com o avanço da operação e o ingresso de novos investidores, a dedicação do founder deixa de ser apenas umarecomendação —em muitos casos, passa a ser uma exigência contratual e estratégica. Sua presença ativa, aliada à gestão do tempo e à clareza de prioridades, é determinante para manter a confiança do mercado e sustentar o ritmo de crescimento da startup.   

Governança: um caminho inevitável com o crescimento À medida que a empresa evolui, as estruturas de governança ganham corpo e isso inclui o estabelecimento de um arcabouço contratual, de políticas internas e controles mais robusto. Nesse sentido, com o passar do tempo é natural que sejam instalados conselhos de administração, comitês internos e outros órgãos de governança voltados para o aumento da transparência, oxigenação de ideias e novos caminhos de crescimento. Nesta fase, é comum que papel do founder deixe de ser apenas operacional, passando a ser cada vez mais estratégico ou institucional. 

Esse processo, se bem conduzido, permite que a empresa reduza a dependência de pessoas específicas, tornando-a mais resiliente, atrativa para investimentos e preparada para fusões, aquisições ou abertura de capital.  

Obrigações jurídicas e administrativas do founder
Além da dedicação e do papel institucional, é esperado que certos cuidados jurídicos e operacionais sejam adotados pelos fundadores. A maioria deles está relacionada com uma institucionalização do negócio, e uma independência entre a empresa e seus fundadores: 

  • Formalização e registro de ativos: tecnologias, marcas, domínios e contratos precisam estar registrados, depositados ou celebrados em nome da empresa, e não das pessoas físicas/fundadores; 

  • Comunicação transparente com investidores: é necessário estabelecer procedimentos voltados para prestação de contas, atualizações e documentos que permitam acompanhamento o negócio pelos investidores;

  • Gestão financeira e de pessoas: nos primeiros estágios, o founder acumula essas frentes, e deve manter boas práticas para preparar o negócio para a profissionalização futura. Idealmente uma empresa deve possuir founders com perfis complementares, de modo que skills diversos sejam aportados no negócio, possivelmente cobrindo todas as necessidades iniciais de um negócio. 

Ignorar essas obrigações pode comprometer a governança e a reputação do negócio, bem como gerar riscos jurídicos relevantes, especialmente em momentos críticos, como em novas rodadas de investimento, auditorias ou processos de due diligence.  

A organização jurídica e administrativa da startup é tão estratégica quanto a construção do produto ou a aquisição de clientes. Cumprir essas responsabilidades com rigor é sinal de maturidade empresarial e contribui para criar uma base sólida e confiável, capaz de apoiar o crescimento e atrair capital de forma sustentável.  

Eventos de liquidez
Em muitos casos o end game de uma startup acaba sendo sua venda para um player maior, fusão com alguma outra empresa complementar ou IPO, viabilizando sua entrada no mercado de capitais. Por vezes esse é o momento que marca a saída de investidores (ou a oportunidade de saída destes), e inaugura um novo patamar de institucionalização, trazendo mudanças profundas na estrutura e nas exigências legais, contábeis e estratégicas da companhia.

No contexto destes eventos de liquidez, o papel do founder geralmente é ressignificado. Ele deixa de representar apenas os interesses dos sócios e investidores e passa, no caso de M&As, a atuar de acordo com o propósito da operação – por vezes devendo trabalhar ativamente na integração do seu negócio com os demais negócios do grupo adquirente; ou, no caso de IPOs, passando a estar sujeito a um novo arcabouço de normas, regulação e grau de exposição. 

A depender do tipo de operação realizado, as decisões do founder passam a ganhar um grau elevado de escrutínio, e a governança se torna ainda mais rígida, com padrões mais estritos e elevados. Algumas expectativas específicas surgem nesse cenário: 

  • Adequação regulatória: o founder deve estar alinhado às exigências do grupo adquirente (que por vezes pode ser uma empresa ou grupo estrangeiro); ou da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da bolsa de valores em que a empresa será listada; 

  • Gestão de imagem e reputação: qualquer manifestação pública, especialmente em redes sociais ou eventos, pode impactar a empresa. Nos casos de M&As, não é incomum que os founders passem a estar sujeitos a cláusulas que os impeçam de falar em nome do grupo adquirente; e nos casos de IPO, as informações divulgadas devem atender às normas da CVM, como, por exemplo, a Resolução CVM 44. O founder deve, portanto, adotar uma postura institucional e estratégica; 

  • Participação em roadshows e relacionamento com o mercado: a figura do founder ganha protagonismo na apresentação da empresa a investidores institucionais, bancos e fundos, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Suas falas, entrevistas e materiais divulgados (inclusive em redes sociais) podem ser fatores essenciais para análise do grupo adquirente ou da própria startup. 

Em muitos casos, é a partir deste estágio que o founder pode acabar optando por deixar cargo C-levl, seja por decisão estratégica da empresa, seja por uma demanda de mercado. Não é incomum que com o aumento da lupa e escrutínio regulatório sobre a startup, novos profissionais sejam contratados para ocupar cargos na diretoria, e que os founders passem a ter uma participação mais estratégica, por vezes migrando para o conselho de administração. 

O amadurecimento do mercado de Venture Capital no Brasil vem exigindo das startups (e, consequentemente, dos seus founders) uma postura cada vez mais profissional. Investidores esperam que eles estejam comprometidos, saibam equilibrar dedicação com governança e conduzam a empresa com responsabilidade jurídica e estratégica.  

Após o boom de mercado verificado entre os anos de 2020 e 2021, startups deixaram de focar tanto em futuras captações e no crescimento de “valuation”, passando a focar em dados mais concretos, como crescimento de receita, número de clientes e de adoção da solução, produto ou serviço pelo mercado. 

Neste cenário, já podemos observar no mercado atual uma tendência diferente daquela de poucos anos atrás: no lugar do “CEO carismático” e bom de captação, hoje o mercado vem adotando uma postura mais calcada em métricas de crescimento em linhas relevantes, como lucro, receita e, também, na perenidade do negócio. 

Entender as obrigações dos fundadores e as demandas de mercado não é apenas uma questão contratual ou um fenômeno mercadológico, mas um passo essencial para compreender o que é necessário para o crescimento sustentável das startups — especialmente para aquelas que almejam voos mais altos, como uma saída via M&A ou IPO. 

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