Flip societário e estruturas para captação estrangeira de recursos
junhi
À medida que as startups brasileiras amadurecem e se aproximam de rodadas mais robustas de investimento, a avaliação de novas estruturas jurídicas torna-se parte fundamental do crescimento.
Dentre certas trilhas de crescimento naturais à indústria de venture capital, os flips societários vêm se tornando cada vez mais corriqueiros, especialmente quando empreendedores têm interesse em se conectar com mercados internacionais, atrair investidores estrangeiros e se preparar para eventos como exits e ofertas públicas de ações (IPOs).
Neste quinto artigo da série “Venture Capital”, buscamos aprofundar os principais aspectos dessa forma de reorganização societária, abordando estrutura, motivações, riscos e as transformações recentes que vêm impactando sua aplicação prática.
O que é flip societário e mudanças em práticas recentes
De forma simplificada, o flip societário é uma operação de reorganização societária em que a estrutura de controle de uma empresa nacional é invertida (ou realocada) para uma jurisdição estrangeira — geralmente os Estados Unidos.
Essa reorganização visa posicionar a holding controladora da startup fora do Brasil, em uma estrutura que potencialmente oferece mais previsibilidade jurídica e segurança regulatória, do ponto de vista de potenciais investidores internacionais.
Tradicionalmente, essa estrutura costumava ser composta por três níveis:
Empresa operacional no Brasil (onde efetivamente os negócios e faturamento da startup acontecem);
Empresa controladora nos EUA, comumente incorporada em Delaware;
Holding em jurisdição com tributação favorecida (como Ilhas Cayman ou Ilhas Virgens Britânicas – BVI), usada para otimizar a tributação em um eventual exit.
Esse modelo buscava, entre outros objetivos, minimizar a carga tributária sobre os ganhos de capital em uma venda futura da empresa, ao mesmo tempo que mantendo a estrutura de controle exposta a uma legislação tida como mais segura ou pro-business.
Com as mudanças na legislação brasileira promovidas no final de 2023, especialmente com o novo tratamento dado às offshores e à necessidade de declaração de bens e lucros no exterior à Receita Federal, estruturas com passagens por jurisdições com tributação favorecida ou reduzida deixaram de ser vantajosas e passaram a demandar um cuidado redobrado.
Mais recentemente, alguns fundos e investidores institucionais estrangeiros inclusive vêm se abstendo de realizar negócios com empresas sediadas nestes países, seja por questões de imagem, legais ou regulatórias.
Diante disto, ainda que o modelo de 3 camadas (“Delaware sandwich”) ainda seja bastante comum, o modelo de 2 camadas vem sendo bastante utilizado (“Delaware tostada”): A empresa operacional no Brasil; E uma empresa holding nos EUA — que tipicamente era incorporada em Delaware, mas, mais recentemente, tem sido incorporada em estados como Wyoming e Texas.
Por que fazer um flip societário?
Flips societários não são obrigatórios, mas podem acabar sendo uma exigência de investidores estrangeiros interessados em aportar recursos na empresa. O Y Combinator – famosa aceleradora americana – é um exemplo de player que somente investe recursos via SAFE, em entidades baseadas nos Estados Unidos.
Diante disto, alguns motivos (dentre outros) podem justificar que seja feito o flip societário:
Facilitar ou viabilizar a entrada de capital estrangeiro;
Aumentar a exposição da empresa a investidores institucionais internacionais;
Preparar a estrutura da empresa para um exit ou IPO em mercados mais consolidados;
Ainda que o flip societário não seja obrigatório, pode ser um movimento estratégico que responde às expectativas e exigências do mercado internacional de investimentos.
Quando realizar o flip societário?
Embora o flip possa ser extremamente vantajoso, o timing é crítico, pois realizar essa reestruturação antes de haver uma rodada iminente ou uma estratégia clara de internacionalização pode significar assumir custos – set up fees e custos de manutenção – de forma prematura.
Além disso, estruturas complexas e que perpassem por jurisdições com tributação favorecida ou “paraísos fiscais” podem ser vistas de forma negativa por fundos institucionais, que priorizam veículos de investimento com governança mais robusta e que estejam em compliance com práticas internacionais. Diante desta realidade, antes de implementar uma estrutura internacional, é relevante que startups avaliem seu estágio de maturação, a iminência (ou não) de realização de uma rodada de captação, e o perfil de possíveis investidores que pretende acessar.
A estrutura deve ser feita de forma equilibrada, ponderando custos, riscos operacionais, tributários e jurídicos, com possíveis vantagens em captar fora do Brasil e, possivelmente, em uma moeda “forte”, como Dólar ou Euro. A decisão de realizar o flip societário, portanto, faz parte também de uma estratégia de posicionamento no ecossistema internacional de Venture Capital.
Executado no momento certo, com a estrutura adequada e sob orientação jurídica qualificada, pode destravar acessos relevantes a capital, abrir portas para o mercado estrangeiro e consolidar a empresa em um novo patamar de crescimento.