Direitos políticos e econômicos de investidores em startups: contrapartidas do investimento de risco
Julho/2025
O ecossistema brasileiro de startups vem passando por diversas modificações – e aprimoramentos – ao longo das últimas décadas. Desde o boom visto nos anos de 2020 e 2021 houve uma transformação na forma como investimentos de risco passaram a ser realizados, e isso se traduziu tanto em contratos mais simples e “business friendly” quanto, em outros casos, instrumentos mais rígidos, exigindo certas proteções que outrora não eram parte destes negócios.
Para investidores que aportam capital em startups, especialmente em rodadas early stage, a mitigação desses riscos vem sendo um aspecto fundamental de negociações, e isto pode se dar através de diferentes termos e condições. por exemplo, certas proteções ou direitos políticos e econômicos mínimos podem ser concedidos a investidores, como o direito a voto afirmativo ou preferência na liquidação da empresa.
É importante ressaltar que o termo "proteção" neste caso se refere mais à preservação de direitos econômicos e políticos do que à proteção quanto à responsabilidade civil (ou liabilities, de modo geral).
Neste sexto artigo da série Venture Capital, focamos nas cláusulas de direito político e econômico tipicamente requeridas por investidores (especialmente fundos institucionais) quando do investimento em startups.
Direitos políticos: veto e voto afirmativo
É comum que investidores estratégicos ou investidores-líderes de rodada condicionem o aporte à concessão de certos direitos políticos, seja através do estabelecimento de matérias que dependeriam de um quórum qualificado para sua aprovação, seja por meio da criação de um rol de matérias que, a depender do caso, possam ser vetadas ou sujeitas a voto afirmativo do investidor.
Em muitos casos, essa proteção tem como propósito garantir que o investidor tenha mecanismos para garantir que os negócios estejam alinhados com interesses e visão de longo prazo, além de introduzir padrões mais elevados de governança corporativa.
Dependendo do grau de maturação da startup e do perfil do investidor, é comum a negociação que esses votos afirmativos ou vetos estejam associados com temas variados como aprovação de operações financeiras acima de certo patamar, mudança de objeto social (ou da linha de negócios em que a empresa atua), liquidação da sociedade, alienação de ativos essenciais às operações da empresa, pedidos de falência ou recuperação judicial.
Também pode haver situações em que o investidor exija votos afirmativos ou vetos mais amplos, por exemplo cobrindo situações como novas rodadas de captação abaixo de certo valuation, ou mesmo a aprovação prévia de operações de M&A envolvendo a sociedade investida.
Proteção econômica: salvaguardando o valor do investimento
No que tange às proteções econômicas, essas podem se dar em diferentes extensões – parte delas mais centrada na proteção do valor investido em si, parte delas centrada na proteção da participação societária/acionária decorrente do aporte realizado. Nesse sentido, algumas cláusulas que podem constar dos documentos são:
Proteção Anti-Diluição: visa proteger o investidor de ter sua participação diluída em rodadas de captação subsequentes que ocorram em um valuation inferior ao da rodada anterior (os chamados down rounds). Contratos podem estipular condições que impeçam a diluição dos investidores se a próxima rodada de captação não atingir um valor maior ou se não atingir certos marcos previamente combinados
Direito de Preferência (ou pro rata): em caso de novas rodadas de captação, o investidor tem o direito de aplicar um cheque adicional na empresa para manter sua porcentagem de participação no capital social, evitando assim a diluição.
Multas e vencimento antecipado: é possível que investidores estabeleçam multas ou o vencimento antecipado do mútuo conversível ou acordo de investimento, a serem aplicáveis em certas circunstâncias. Essas circunstâncias podem variar desde um uso inadequado dos recursos captados, descumprimento de certo plano de negócios ou de obrigações constantes do instrumento de investimento (ex: obrigações de não competição, ausência de dedicação exclusiva, dentre outras).
Ponderação na concessão de direitos: equilíbrio estratégico
Embora as cláusulas de proteção sejam cruciais para a segurança do investidor, a concessão desses direitos deve ser cuidadosamente ponderada, levando em consideração o estágio de desenvolvimento da startup e o perfil do investidor.
A concessão excessiva de direitos, especialmente em fases iniciais, pode gerar desafios significativos em rodadas futuras, como:
Dificuldade em futuras captações: muitas condições e acordos do passado podem tornar complexa a negociação com novos investidores que, por sua vez, também buscarão salvaguardas para seus aportes.
Perda de mobilidade e tração: a necessidade de renegociar constantemente com detentores de direitos de veto ou voto afirmativo pode atrasar decisões e impedir a startup de aproveitar oportunidades ou inovar rapidamente.
Conflitos com direitos de outros investidores: direitos concedidos em fases iniciais a investidores com participação relativamente pequena podem se tornar um entrave quando investidores maiores e mais estratégicos chegam com cheques significativamente maiores, por vezes tornando necessário renegociar instrumentos e/ou promover alterações nos documentos passados, aumentando o tempo e complexidade nas negociações de rodadas de captação.
Nesse sentido, é importante que fundadores e fundos sejam ponderados e estratégicos nos direitos requeridos, evitando responsabilidades (liabilities) desnecessárias, mas também pensando em como o mercado pode avaliar essas condições, dadas as práticas de mercado para a chamada “trilha de venture capital”. Idealmente, a concessão de direitos deve ser uma contrapartida a aportes realizados em momentos importantes, quando há aportes financeiros substanciais e razões econômicas sólidas para fazê-lo. É preferível que rodadas early-stage tenham contratos mais simples, focando primariamente em direitos econômicos, sem a necessidade de conceder os direitos políticos em aportes típicos de investimento anjo, especialmente aqueles feitos por pessoas físicas.
Com o constante aprimoramento do mercado local, é possível que outras modalidades e cláusulas visando a proteção de investidores surjam, sejam utilizadas ou mesmo abandonadas. Como em muitos casos, a ponderação entre “risco” e “retorno” de conceder esses direitos deve ser feita de forma técnica e sem paixões – conceder muitos direitos de forma prematura pode trazer dificuldades na negociação de rodadas futuras; por outro lado, é pouco provável que fundos não se interessem por investir em empresas que concedam um arcabouço mínimo de proteção, dada a exposição econômica envolvida e os riscos da própria indústria. O sucesso de uma rodada de investimento, e da própria startup, dependem de um juízo crítico e equilibrado na negociação e concessão desses direitos.